Investigador diz que faltam estudos sobre riscos de corrupção no poder local
O fenómeno da corrupção não é maior no poder local do que na administração central, até porque faltam estudos aprofundados sobre áreas de risco, defende o investigador Luís de Sousa, antigo presidente da Transparência e Integridade – Associação Cívica (TIAC).
Segundo o investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, num estudo realizado sobre o desempenho de cargos públicos, entre 2004 e 2008, as autarquias “apareciam no topo da lista” dos visados em processos-crime relacionados com corrupção.
O antigo presidente do TIAC recusou, no entanto, a ideia de que o poder local é mais corrupto do que o poder central, uma vez que bastam dois ou três contratos em que exista “favorecimentos a nível da administração central para superar os montantes” envolvidos a nível das autarquias.
“Esta ideia de que às vezes temos uma administração central que é muito limpinha e umas autarquias que estão cheias de vícios também não é bem assim. Há autarquias que estão a funcionar muito bem, que respeitam os direitos de oposição, que fornecem informação, que se modernizaram, há outras que infelizmente não”, frisou, em declarações à agência Lusa.
O consultor internacional sobre políticas de controlo à corrupção considerou que “faltam nas diversas dimensões estudos sobre áreas de risco sectoriais a nível local”, que “competiam a um organismo como o Conselho de Prevenção da Corrupção”, de forma a fornecer o resultado dessa análise “ao poder político e aos próprios municípios”.
Na sua opinião, em muitas situações, não é sequer necessário “envolver o legislador”, com a produção de novas leis, mas antes “reforçar mecanismos ou procedimentos de escrutínio a nível interno para garantir melhor ‘standard’ de governação”.
“As coisas mudaram em relação àquilo que era, digamos, a atitude dos portugueses face à corrupção no período antes da crise”, notou Luís de Sousa, acrescentando que os cidadãos ficaram mais atentos e “menos tolerantes em relação a alguns excessos de poder, a alguns vícios da governação”.
Luís de Sousa não se surpreendeu com os números do mais recente relatório do Conselho de Prevenção da Corrupção, dando conta de que em 2018, das comunicações recebidas, 47,7% eram relativas a autarquias.
Dos 604 casos de corrupção e outros crimes, como peculato, abuso de poder ou participação económica em negócio – a partir de decisões judiciais de abertura de inquéritos, arquivamentos, acusações e condenações –, as autarquias registaram 288, dos quais 223 em municípios, 56 em freguesias e nove em empresas municipais.
Apesar destes números, o investigador salientou que o papel das auditorias do Tribunal de Contas, entre outras entidades, é “muito limitado”, perante os 308 municípios, que não podem ser escrutinados constantemente, o que leva a “muitas janelas de oportunidades para informalidades, para ilegalidades”.
“Têm de ser os actores locais a tomar a iniciativa, também, de alertar as autoridades para estes problemas e, portanto, o papel das oposições é extremamente importante. Desse ponto de vista, tem-se evoluído muito pouco, porque as garantias e os meios que damos às oposições a nível local são ainda muito limitados”, vincou.
Embora admitindo que a gestão autárquica possui aspectos positivos, pela “proximidade dos problemas” e “necessidades dos cidadãos”, o especialista apontou como questão negativa a “longevidade no poder”, com “a probabilidade de se criarem circuitos clientelares de governação”.
Nesse sentido, entre os problemas mais detectados pelos estudos em que participou estão os procedimentos adoptados na contratação pública, onde os ajustes directos “eram muito frequentes”, quando a ausência de concursos leva a métodos mais permeáveis “a informalidades, ilegalidades, a favorecimentos”.
A TIAC assume-se como representação portuguesa da Transparency International, pretendendo contribuir para a construção de “uma sociedade mais justa e uma democracia de qualidade”, promovendo a participação cívica e o combate à corrupção.